domingo, 7 de outubro de 2012

Maria e a Terra



Maria nasceu mulher... No começo não sabia ainda o que isto significaria. Mas não tardou a ouvir os insistentes dizeres: 'Feche as pernas! Menina não se senta assim!' 'Comporte-se como um moça.' 'Seja mais meiga.', 'Grávida? Sinto muito, não podemos admiti-la'...E mais: salários mais baixos, dupla jornada de trabalho, desrespeito, piadas e assédio...

Conforme foi crescendo, percebeu algo estava errado, e não entendia porque às vezes os ataques vinham inclusive de outras mulheres! 'Aquelazinha, está dando em cima do meu namorado' 'Aff... Chefe mulher? Ninguém merece'... Às vezes, não eram ataques propriamente ditos, mas apenas comentários que refletem falta de visão:  'É minha filha, mulher sofre...é assim mesmo, acostume-se...' ' Ai, amiga, porque você não faz com eu e pára de menstruar, menstruação é um estorvo...'

Mas, a despeito de tudo, Maria cresceu e  resistiu a tudo isso. E apesar da dor de cada ataque, gosta de ser mulher. Talvez porque no fundo saiba que não precisa ser assim... E, estudou Jung, Jean Shinoda Bolen, Clarissa Pinkola Estés, e leu muitos outros autores e descobriu que havia outras que pensam igual a ela, que sabem que algo pode ser feito e que não é queimando sutiãs que as mulheres serão vistas como os seres maravilhosos que são, com sonhos, particularidades e necessidades tão próprias... Elas sabem que a igualdade não existe, porque homens e mulheres não são iguais, mas devem ter, sim suas diferenças respeitadas...e celebradas.

Então viu que  há outras como ela em toda a parte do globo. E se juntam! Se reúnem, não mais em redutos feministas, destinados à resistência ou ao ataque. Mas em círculos, onde possam conversar, mostrar as suas fraquezas e virtudes, celebrar o Feminino Sagrado, o atributo feminino presente não só na mulher, mas também no homem (mesmo que muitos não o aceitem!),  usando a arte como forma de expressão, reverenciando o Belo, o Amor em todas as suas faces, amor de irmã, de amiga, de amante, de filha e  de mãe.Para curar todas as feridas que não são apenas dela, mas de todas as outras mulheres de hoje e de ontem, que tem sofrido por vários milênios de dominação patriarcal, de violência, de desrespeito e de preconceito.... Inquisição, mutilação sexual de cunho religioso e tantas outras barbaridades. 

É que elas sabem que num círculo de mulheres o tempo parece parar e,  ao repetir o gesto tão ancestral de sentar ou dançar em círculos, assim como as índias o faziam, de alguma forma trazem paz e amor àquelas que precisam de amor e cuidados. 

Ela aprendeu que o que está em cima é como o que está em baixo e o que está fora é como o que está dentro. E entendeu que quando reverencia o atributo feminino na Mãe Natureza, ela está reverenciando a si própria, sua filha. Aliás, estas feridas não são só das mulheres, mas da própria Mãe Terra, que como um ser feminino e receptivo sofre com a dominação e exploração desenfreada  sem que sua natureza seja respeitada, para saciar a gana por riquezas... Coincidência, não?

Coincidência que tanto a Mãe Terra como suas filhas compartilham de todos estes atributos femininos. Com Maria não é diferente. Assim como a Terra, que tem a primavera, o verão, o outono e o inverno, ela também foi Menina, Mãe, é hoje Mulher Madura e um dia será Anciã. Assim como a Terra, que acolhe a semente e dá à luz flores e frutos, ela também um dia acolheu em seu ventre a semente da vida e deu à luz filhos e filhas. Assim como a Terra, ela também fica úmida para mostrar sua fertilidade e é  receptiva por natureza. 

E por tudo o que aprendeu e vivenciou, Maria  finalmente se curou de toda a dor, de toda a mágoa que certamente a faria amarga quando fosse velha...enfim ela entende que já tem dentro de si a Velha Sábia, a Mãe Nutriz, e a Menina Espontânea e mostra cada uma destas faces várias vezes por dia...e pode assim sorrir, e seu sorriso tem um brilho tão fulgurante que seduz a tudo e a todos... Sorriso capaz de seduzir a própria Vida! 

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